quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A TERRITORIALIZAÇÃO DO MOVIMENTO ESPÍRITA NA REGIÃO DA GRANDE DOURADOS.


·         Enio Ribeiro de Oliveira
O Centro Espírita Allan Kardec, casa criada no início da década de 1960, em São Lourenço, zona rural do município de Caarapó (MS) foi protagonista do processo de territorialização do espiritismo kardecista em São Lourenço e em toda a região da Grande Dourados.
 O Centro Espírita Allan Kardec e o Centro Espírita Amor e Caridade - este último sediado na Cidade de Dourados -, se constituíram nas duas casas espíritas basilares para a territorialização do espiritismo na região da Grande Dourados.
Amigo leitor, nas décadas de 1960 e 1970, o Brasil estava sob a vigência de uma ditadura militar e sua população era predominante rural. Como se não bastasse, as religiões espíritas (Candomblé), Umbanda, Quimbanda e o Kardecismo sempre sofreram e sofrem muito preconceito, até porque tem suas origens na África. Os negros trazidos da África vieram inicialmente na condição de escravos. Consequentemente acabaram por constituir o segmento seja em números absolutos e percentualmente, o mais explorado em nossa sociedade. O corolário desta condição social é que, a partir do momento que foi instituído o negro como escravo no Brasil, estes passaram a representar a maior ameaça ao “status quo”.  Evidentemente suas crenças, seus valores e religiosidade desde o período colonial em nosso País, são os alvos preferidos das classes dominantes e forças conservadoras, uma estratégia mesmo para impedir a ascensão social dos afrodescendentes no Brasil e desta forma perpetuar os privilégios da elite econômica do País.
E a religião espírita kardecista, embora, tenha os seus pressupostos filosóficos elaborados no continente europeu – o grande pensador espírita é o francês Allan Kardec -, tambem é discriminada, bem menos que as demais religiões espíritas, em virtude estar sendo mundializada a partir da Europa.
Estou fazendo referências a estes aspectos, porque parto do pressuposto de que, as religiões espíritas, dentre elas, a kardecista, no período ditatorial vigente no Brasil entre 1964 e 1985, representavam uma ameaça ao regime militar, uma vez que estas religiões, ao contrário da católica e das evangélicas, contavam em sua esmagadora maioria com fiéis consideradas pelas elites, a ralé da sociedade brasileira.
Embora as religiões espíritas, a meu ver, pequem por seu pretenso “apoliticismo”, ainda sim, tiveram um papel importante para deslegitimar o regime militar, razão pela qual, os espíritas eram definidos como bruxos, primitivos, propagadores da contracultura, a negação da civilização, representantes do demônio, etc.
Neste contexto foi criado e se deu a intervenção do centro espírita Allan Kardec. Contava entre os seus dirigentes e seus freqüentadores com pessoas que ouso definir de intelectuais[1]. Ao lado desta intelectualidade é oportuno lembrar que as pessoas no meio rural contavam com raras e insignificantes opções de lazer, atividades culturais, espaços institucionais de exercício de cidadania. Ora, diante deste contexto, os espíritas o desempenharam no Centro Espírita Allan Kardec atribuições que preenchiam este vazio, razão pela qual se tornaram uma grande referência em toda a região da Grande Dourados.
Alem do mais eram extremamente voluntaristas, diante das condições mais adversas, não desanimavam, tanto é que congressos e outros tipos de encontros, marcados por profundas discussões, foram realizadas em São Lourenço. Lideranças espíritas no âmbito nacional se fizeram presentes em eventos desta natureza no Centro Espírita Allan Kardec, apesar de estar localizado em um verdadeiro sertão.
Os congressistas dos municípios vizinhos para participarem destes eventos, se hospedavam nas casas dos moradores espíritas residentes em São Lourenço. Se a estrutura das residências era precária, o contrário ocorria com o espírito de solidariedade que era grande, detalhe que ajudou a fortalecer e disseminar o espiritismo kardecista para os outros municípios da região.
Na década de 1980, as famílias que residiam em São Lourenço, cujas atividades exercidas eram agricultura e pecuária, a esmagadora maioria constituída de colonos, arrendatários e pequenos proprietários foi obrigada pelas péssimas condições a iniciarem um acelerado processo de êxodo rural. Praticamente 100% dos moradores foram para cidade, em especial, a de Dourados. Por conta disso os valorosos quadros e dirigentes do Centro Espírita Allan Kardec passaram a frequentar inicialmente o Centro Espírita Amor e Caridade e à medida que outras casas espíritas foram surgindo, muitos deles, passaram a integrá-las, não raro como dirigentes das mesmas.
Desta forma e em decorrência de ocuparem postos importantes continuaram tendo papel decisivo na disseminação e territorialização do espiritismo em Dourados e região. Para exemplificar citarei alguns espíritas que integravam o Centro Espírita Allan Kardec e que se tornaram dirigentes ou lideranças no movimento espírita em Dourados. São elas: Ildefonso Ribeiro, Antônio Costa, José Luis, Antonio Ribeiro.
Ildefonso Ribeiro, além de dirigente espírita era professor. Em decorrência liderou o trabalho de formação de crianças e jovens na filosofia espírita. Estes cursos foram sistematizados em duas etapas: a) Pré-mocidade: constituído por pré-adolescentes; b) Mocidade espírita: adolescentes e jovens. Muitos jovens liam e debatiam as grandes obras espíritas, dentre elas as de autoria de Allan Kardec e de outros teóricos espíritas. Os romances espíritas também eram largamente utilizados neste processo de formação.
Ildefonso Ribeiro datilografava os textos, reproduzia-os em mimeógrafos, e no sábado à noite trabalhava com adolescentes e jovens e aos domingos com os pré-adolescentes. Cada um recebia um caderno para fazer anotações. Realizava testes para avaliar o grau de aprendizagem dos pré-adolescentes, adolescentes e jovens.
Eis alguns nomes de pessoas que fizeram estes cursos: Enio Ribeiro (eu), Sérgio Costa e Célia Costa, Alberto Ribeiro, Argemiro Ribeiro, Marina Ribeiro, Ilton Ribeiro e Augusto Ribeiro, Erasmo Alexandre, Reinaldo Alexandre, Rosa Gabriel, etc. A maior parte dos alunos era constituída pela família Ribeiro já que em São Lourenço residiram Augusto Ribeiro e os seus 06 filhos (Epifânio Ribeiro, Ildefonso Ribeiro, José Ribeiro, Celso Ribeiro, Antonio Ribeiro e Antônia Ribeiro), e cada um chefiando uma família. Muitas destas pessoas relacionadas estão dando continuidade à construção do movimento espírita em Dourados e região e para a sua territorialização em um estágio mais avançado.
*Professor de geografia da rede estadual de ensino, Escola Menodora.



[1] O termo intelectual é utilizado neste trabalho não no sentido formal, qual seja, uma referência aquelas pessoas que freqüentaram a academia, fizeram mestrado e doutorado, mas no sentido de serem pessoas que pensam, que questionavam a sociedade, subordinadas aos princípios cristãos. No Centro Espírita Allan Kardec ocorreu à valorização da solidariedade, da fraternidade, da humildade, da honestidade, etc., valores que uma vez apreciados implicaram no questionamento da sociedade brasileira e por extensão ao regime militar.

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