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Enio Ribeiro de Oliveira
O Centro Espírita Allan
Kardec, casa criada no início da década de 1960, em São Lourenço, zona rural do
município de Caarapó (MS) foi protagonista do processo de territorialização do
espiritismo kardecista em São Lourenço e em toda a região da Grande Dourados.
O Centro Espírita Allan Kardec e o Centro
Espírita Amor e Caridade - este último sediado na Cidade de Dourados -, se
constituíram nas duas casas espíritas basilares para a territorialização do
espiritismo na região da Grande Dourados.
Amigo leitor, nas décadas de
1960 e 1970, o Brasil estava sob a vigência de uma ditadura militar e sua
população era predominante rural. Como se não bastasse, as religiões espíritas
(Candomblé), Umbanda, Quimbanda e o Kardecismo sempre sofreram e sofrem muito
preconceito, até porque tem suas origens na África. Os negros trazidos da
África vieram inicialmente na condição de escravos. Consequentemente acabaram
por constituir o segmento seja em números absolutos e percentualmente, o mais
explorado em nossa sociedade. O corolário desta condição social é que, a partir
do momento que foi instituído o negro como escravo no Brasil, estes passaram a
representar a maior ameaça ao “status quo”.
Evidentemente suas crenças, seus valores e religiosidade desde o período
colonial em nosso País, são os alvos preferidos das classes dominantes e forças
conservadoras, uma estratégia mesmo para impedir a ascensão social dos afrodescendentes
no Brasil e desta forma perpetuar os privilégios da elite econômica do País.
E a religião espírita
kardecista, embora, tenha os seus pressupostos filosóficos elaborados no
continente europeu – o grande pensador espírita é o francês Allan Kardec -,
tambem é discriminada, bem menos que as demais religiões espíritas, em virtude
estar sendo mundializada a partir da Europa.
Estou fazendo referências a
estes aspectos, porque parto do pressuposto de que, as religiões espíritas,
dentre elas, a kardecista, no período ditatorial vigente no Brasil entre 1964 e
1985, representavam uma ameaça ao regime militar, uma vez que estas religiões,
ao contrário da católica e das evangélicas, contavam em sua esmagadora maioria
com fiéis consideradas pelas elites, a ralé da sociedade brasileira.
Embora as religiões
espíritas, a meu ver, pequem por seu pretenso “apoliticismo”, ainda sim,
tiveram um papel importante para deslegitimar o regime militar, razão pela
qual, os espíritas eram definidos como bruxos, primitivos, propagadores da
contracultura, a negação da civilização, representantes do demônio, etc.
Neste contexto foi criado e
se deu a intervenção do centro espírita Allan Kardec. Contava entre os seus
dirigentes e seus freqüentadores com pessoas que ouso definir de intelectuais[1]. Ao lado desta
intelectualidade é oportuno lembrar que as pessoas no meio rural contavam com
raras e insignificantes opções de lazer, atividades culturais, espaços
institucionais de exercício de cidadania. Ora, diante deste contexto, os espíritas
o desempenharam no Centro Espírita Allan Kardec atribuições que preenchiam este
vazio, razão pela qual se tornaram uma grande referência em toda a região da
Grande Dourados.
Alem do mais eram
extremamente voluntaristas, diante das condições mais adversas, não desanimavam,
tanto é que congressos e outros tipos de encontros, marcados por profundas
discussões, foram realizadas em São Lourenço. Lideranças espíritas no âmbito
nacional se fizeram presentes em eventos desta natureza no Centro Espírita
Allan Kardec, apesar de estar localizado em um verdadeiro sertão.
Os
congressistas dos municípios vizinhos para participarem destes eventos, se
hospedavam nas casas dos moradores espíritas residentes em São Lourenço. Se a
estrutura das residências era precária, o contrário ocorria com o espírito de
solidariedade que era grande, detalhe que ajudou a fortalecer e disseminar o espiritismo
kardecista para os outros municípios da região.
Na
década de 1980, as famílias que residiam em São Lourenço, cujas atividades
exercidas eram agricultura e pecuária, a esmagadora maioria constituída de
colonos, arrendatários e pequenos proprietários foi obrigada pelas péssimas
condições a iniciarem um acelerado processo de êxodo rural. Praticamente 100% dos
moradores foram para cidade, em especial, a de Dourados. Por conta disso os
valorosos quadros e dirigentes do Centro Espírita Allan Kardec passaram a
frequentar inicialmente o Centro Espírita Amor e Caridade e à medida que outras
casas espíritas foram surgindo, muitos deles, passaram a integrá-las, não raro
como dirigentes das mesmas.
Desta
forma e em decorrência de ocuparem postos importantes continuaram tendo papel
decisivo na disseminação e territorialização do espiritismo em Dourados e
região. Para exemplificar citarei alguns espíritas que integravam o Centro
Espírita Allan Kardec e que se tornaram dirigentes ou lideranças no movimento
espírita em Dourados. São elas: Ildefonso Ribeiro, Antônio Costa, José Luis,
Antonio Ribeiro.
Ildefonso
Ribeiro, além de dirigente espírita era professor. Em decorrência liderou o
trabalho de formação de crianças e jovens na filosofia espírita. Estes cursos
foram sistematizados em duas etapas: a) Pré-mocidade: constituído por
pré-adolescentes; b) Mocidade espírita: adolescentes e jovens. Muitos jovens
liam e debatiam as grandes obras espíritas, dentre elas as de autoria de Allan
Kardec e de outros teóricos espíritas. Os romances espíritas também eram
largamente utilizados neste processo de formação.
Ildefonso
Ribeiro datilografava os textos, reproduzia-os em mimeógrafos, e no sábado à
noite trabalhava com adolescentes e jovens e aos domingos com os pré-adolescentes.
Cada um recebia um caderno para fazer anotações. Realizava testes para avaliar
o grau de aprendizagem dos pré-adolescentes, adolescentes e jovens.
Eis
alguns nomes de pessoas que fizeram estes cursos: Enio Ribeiro (eu), Sérgio
Costa e Célia Costa, Alberto Ribeiro, Argemiro Ribeiro, Marina Ribeiro, Ilton
Ribeiro e Augusto Ribeiro, Erasmo Alexandre, Reinaldo Alexandre, Rosa Gabriel, etc.
A maior parte dos alunos era constituída pela família Ribeiro já que em São
Lourenço residiram Augusto Ribeiro e os seus 06 filhos (Epifânio Ribeiro,
Ildefonso Ribeiro, José Ribeiro, Celso Ribeiro, Antonio Ribeiro e Antônia
Ribeiro), e cada um chefiando uma família. Muitas destas pessoas relacionadas
estão dando continuidade à construção do movimento espírita em Dourados e
região e para a sua territorialização em um estágio mais avançado.
*Professor
de geografia da rede estadual de ensino, Escola Menodora.
[1]
O termo intelectual é utilizado neste trabalho não no sentido formal, qual
seja, uma referência aquelas pessoas que freqüentaram a academia, fizeram
mestrado e doutorado, mas no sentido de serem pessoas que pensam, que questionavam
a sociedade, subordinadas aos princípios cristãos. No Centro Espírita Allan
Kardec ocorreu à valorização da solidariedade, da fraternidade, da humildade,
da honestidade, etc., valores que uma vez apreciados implicaram no
questionamento da sociedade brasileira e por extensão ao regime militar.
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